...Existirmos, a que será que se destina?...
Ambos ouviam Cajuína sob as luzes vermelhas do bar. O Arlequim e a Farfalla. Ele, em um canto, cortado por súbitos apagões, tinha os botões de vidro do macacão iluminados pelos feixes repentinos de luz. Chamava-lhe a atenção a purpurina prateada das asas dela. Via, no outro lado do salão, um abrir de asas entrecortado. Asas abertas prateadas, asas fechadas, asas abertas prateadas furta-cor, asas fechadas. Acende-apaga, acende-apaga, acende-apaga. O violoncelo solava hesitante por entre as falas da canção, como se acompanhasse os olhares do Arlequim e da Farfalla. Ambos, tentando olhar-se sem ser vistos um pelo outro.
Era por isso que a Farfalla abria e fechava tanto seus membros fantasticamente decorados. A purpurina se espalhava pelo ar em brilho com o impulso das asas se fechando. E de novo, e de novo. E daquele pó prateado e branco brilhante exalava um perfume íntimo. Um aroma tão, mas tão sutil, que apenas o acaso divino poderia fazê-los entender seu significado. Desse cheiro. Desse perfume.
...Apenas a matéria vida era tão fina...
...E éramos olharmo-nos intacta retina...
Talvez não fosse nada no ar. Talvez fosse tão etéreo que simplesmente não fosse. Porque, embora queiramos dar um nome a tudo que sentimos, nem tudo tem um nome. Nem tudo tem definição. Mas aquele pó sutil espalhava-se tomando o espaço quântico da distância entre o Arlequim e a Farfalla no bar. Penetrava nas narinas do Arlequim e atravessava seus botões de vidro roçando-lhe o peito por entre as aberturas sim-e-não do macacão. Foi o cruzar de olhos. O preciso e infinitésimo cruzar de olhos. Desintactas retinas.
Sem que pudesse controlar as pernas, o Arlequim foi levado por si mesmo até a Farfalla. Postou-se ao lado dela, examinou-a com mãos invisíveis, ofereceu-lhe uma cadeira. Ela aceitou. Ele se sentou de frente para ela, pegou-lhe um dos pés e pôs sobre o joelho para massagear. Era como se ela também sentisse o aroma sutil dele. A Farfalla, com as asas fantásticas encolhidas para não bater costado da cadeira, olhava fascinada para as mãos do Arlequim em seu pé. Era como se já tivesse sentido isso – e talvez já tivesse sentido as mãos invisíveis dele. Como se ele já conhecesse seu pé. E celebravam juntos, entre toques de retinas, o encontro entre as mãos dele e o pé dela.
...Pois quando tu me deste a rosa pequenina...
...Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina...
O violoncelo solava os últimos acordes. O Arlequim pegou a Farfalla pelas mãos e puxou-a para fora do bar. Saíram de mãos dadas pelas ruas escuras e arborizadas daquele quarteirão. Depararam-se com a imensidão do mar logo ali, em frente. Passaram a admirá-lo juntos. Tomaram um drinque. Não, muitos drinques. Juntos. A Cajuína fazia eco lá do fundo do horizonte apagado pela escuridão celeste. E éramos olharmo-nos. Desintactas retinas.
Ambos, Arlequim e Farfalla, eram levemente iluminados pelas pétalas da rosa posta sobre a mesa. O luar desenhava um risco para o horizonte escondido na escuridão celeste. Os olhos de ambos deitavam-se uns nos outros como se estivessem espichados em uma rede recém-lavada posta na varanda sombreada em dia de sol e vento. Existirmos, o que será. Foram dias assim, de Cajuínas, botões de vidro, asas prateadas furta-cor, aromas de etéreas purpurinas, massagens nos pés, desintactas retinas. Foram dias assim, em que o Arlequim nutria-se dos vôos fantásticos da Farfalla. E a Farfalla, dos passos descompassados e equilibristas do Arlequim.
...Apenas a matéria vida era tão fina...
Até que a Farfalla alçou vôo em busca de um horizonte sem risco. E o Arlequim, embora tivesse feito menção de pular das alturas para criar asas e ir com ela, preferiu guardar consigo o perfume etéreo furta-cor das asas fantásticas. Foi como se um acordo de olhares precisos de ambos tivesse tateado suas almas possíveis de amor. Como se soubessem que teriam um ao outro, sempre. Eram, ele dela e ela dele, o destino de existirem.
Ambos ouviam Cajuína sob as luzes vermelhas do bar. O Arlequim e a Farfalla. Ele, em um canto, cortado por súbitos apagões, tinha os botões de vidro do macacão iluminados pelos feixes repentinos de luz. Chamava-lhe a atenção a purpurina prateada das asas dela. Via, no outro lado do salão, um abrir de asas entrecortado. Asas abertas prateadas, asas fechadas, asas abertas prateadas furta-cor, asas fechadas. Acende-apaga, acende-apaga, acende-apaga. O violoncelo solava hesitante por entre as falas da canção, como se acompanhasse os olhares do Arlequim e da Farfalla. Ambos, tentando olhar-se sem ser vistos um pelo outro.
Era por isso que a Farfalla abria e fechava tanto seus membros fantasticamente decorados. A purpurina se espalhava pelo ar em brilho com o impulso das asas se fechando. E de novo, e de novo. E daquele pó prateado e branco brilhante exalava um perfume íntimo. Um aroma tão, mas tão sutil, que apenas o acaso divino poderia fazê-los entender seu significado. Desse cheiro. Desse perfume.
...Apenas a matéria vida era tão fina...
...E éramos olharmo-nos intacta retina...
Talvez não fosse nada no ar. Talvez fosse tão etéreo que simplesmente não fosse. Porque, embora queiramos dar um nome a tudo que sentimos, nem tudo tem um nome. Nem tudo tem definição. Mas aquele pó sutil espalhava-se tomando o espaço quântico da distância entre o Arlequim e a Farfalla no bar. Penetrava nas narinas do Arlequim e atravessava seus botões de vidro roçando-lhe o peito por entre as aberturas sim-e-não do macacão. Foi o cruzar de olhos. O preciso e infinitésimo cruzar de olhos. Desintactas retinas.
Sem que pudesse controlar as pernas, o Arlequim foi levado por si mesmo até a Farfalla. Postou-se ao lado dela, examinou-a com mãos invisíveis, ofereceu-lhe uma cadeira. Ela aceitou. Ele se sentou de frente para ela, pegou-lhe um dos pés e pôs sobre o joelho para massagear. Era como se ela também sentisse o aroma sutil dele. A Farfalla, com as asas fantásticas encolhidas para não bater costado da cadeira, olhava fascinada para as mãos do Arlequim em seu pé. Era como se já tivesse sentido isso – e talvez já tivesse sentido as mãos invisíveis dele. Como se ele já conhecesse seu pé. E celebravam juntos, entre toques de retinas, o encontro entre as mãos dele e o pé dela.
...Pois quando tu me deste a rosa pequenina...
...Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina...
O violoncelo solava os últimos acordes. O Arlequim pegou a Farfalla pelas mãos e puxou-a para fora do bar. Saíram de mãos dadas pelas ruas escuras e arborizadas daquele quarteirão. Depararam-se com a imensidão do mar logo ali, em frente. Passaram a admirá-lo juntos. Tomaram um drinque. Não, muitos drinques. Juntos. A Cajuína fazia eco lá do fundo do horizonte apagado pela escuridão celeste. E éramos olharmo-nos. Desintactas retinas.
Ambos, Arlequim e Farfalla, eram levemente iluminados pelas pétalas da rosa posta sobre a mesa. O luar desenhava um risco para o horizonte escondido na escuridão celeste. Os olhos de ambos deitavam-se uns nos outros como se estivessem espichados em uma rede recém-lavada posta na varanda sombreada em dia de sol e vento. Existirmos, o que será. Foram dias assim, de Cajuínas, botões de vidro, asas prateadas furta-cor, aromas de etéreas purpurinas, massagens nos pés, desintactas retinas. Foram dias assim, em que o Arlequim nutria-se dos vôos fantásticos da Farfalla. E a Farfalla, dos passos descompassados e equilibristas do Arlequim.
...Apenas a matéria vida era tão fina...
Até que a Farfalla alçou vôo em busca de um horizonte sem risco. E o Arlequim, embora tivesse feito menção de pular das alturas para criar asas e ir com ela, preferiu guardar consigo o perfume etéreo furta-cor das asas fantásticas. Foi como se um acordo de olhares precisos de ambos tivesse tateado suas almas possíveis de amor. Como se soubessem que teriam um ao outro, sempre. Eram, ele dela e ela dele, o destino de existirem.
4 comentários:
Dézinha, seus textos fazem sonhar...
Beijos, te amo.
Drydi
História de amor...Luzes, olhares, cello, olhares... Que delícia Débora!!!
Benta.
Preciso de um amor que me faça sonhar de novo. Não que o meu não faça, ao contrário... mas preciso de um para meu outro pólo. 2 polos, capiche? hehe
E esse texto é lindo, nossa! Deveria ter lido antes.
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