terça-feira, 10 de outubro de 2017

Emergência

Ser humano literariamente debilitado precisa de transfusão urgente de ideias capazes de gerar textos fictícios, porém reais.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Momentos compartilhados



Na caixa de correspondências antigas, remexeu os envelopes com fome de novidades passadas. Abriu um atrás do outro, desdobrando folhas manuscritas e admirando cartões pré-fabricados de aniversário e Natal, com suas ilustrações e cores fortes. Alguns envelopes estavam lacrados, como se ainda não tivessem sido abertos. O tempo na caixinha fez com que o calor desse nova vida à sua cola. Reabriu-os, rasgando-os levemente. A emoção era de como se fossem recém-chegados. As mensagens pareciam novas, embora as situações fossem velhas. Há quanto tempo havia lido essas cartas! Em meio aos escritos em que identificava amizades profundas e íntimas, estavam as de pessoas que nunca mais reencontrara. "Não vamos perder contato", "por favor, mande notícias", "venha um dia nos visitar, continue falando conosco". Os apelos pareciam profecias. Prenúncios de um adeus de quem não se veria mais. Registrados em uma mensagem carinhosa. Bem sabiam que essa carta seria a maneira de reencontrar-se, permitindo que se reconectassem com aquele belo momento compartilhado. Poderia fazer uma busca nas redes sociais para, quem sabe, achar essas pessoas. Mas não faria sentido. Porque era claro o aviso de adeus. A consciência de que suas vidas se entrecruzam, fazem trocas e carregam consigo o reconhecimento dos frutos colhidos. Crescemos juntos, obrigado! Você foi importante para mim, para nós. Alguns papeis já amareleciam, denunciando o tempo. Mas as palavras não. O sentimento vinha a cada verbo que sorvia. vinha à tona o amor. Um amor necessário, de quem se constroi e ajuda outros seres a se construir. Não era necessário buscar essas pessoas, mas sim lembrar delas. De suas palavras, de seu agradecimento, do prazer de estarem juntos. Era necessário sentir esse amor. E deixar-se passar com ele em sua história.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Mandacarus verdes fritos

 

Mandaram avisar
Mandacaru chegou

Com ele, sol, céu azul
pele ardente
       cidade por trás das 
lentes escuras da 
                           lupa verde

Mandacaru não tem sede
                                        Mata a fome da boiada

Segura em pé de vaca magra
            dele se arranca sustento

Cortado em partes
      se queimam seus espinhos

No fogo do sol e se jogam
                                feito carcaças
                                                      As vacas devoram mandacarus
                                                                                                fritos.

(memórias da Chapada)


terça-feira, 13 de março de 2012

tudo que se quer dizer



existem coisas a serem ditas
depois de uma chuva quente.
existe um arrepio na pele
e um novo repertório de palavras;
o vocabulário da vida cresce.
a postura de oradora ganha corpo,
o vento fresco oferece muito;
dá à superfície espontaneidade,
engrandece os braços
e faz dos passos largos passos


mas um medo de dizer tudo,
um medo de escorregar na poça fria
e de bater no chão os cotovelos
engole as palavras e as volúpias 
do banho quente e do sopro,
e tece nos azulejos manchados
um silêncio desinteressante,
comum como o quê.


esse silêncio de tudo que se quer dizer.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

solentina


a solidão
se instala
em mim
feito poste
que alumia
gotas inclinadas
de chuva
no meio de uma folia

colombina
desamparada
de saia vermelha
rodada
toda, toda marcada
pelo branco desbotado
de pingos no
crepom

papel de seda 
encrespado
cede, derrete rosado
escorre nas pernas
na face, 
vira lágrimas de sangue
enquanto sopra o
pistom

não é solidão
pensada, não é
nada cogitada
vem às lágrimas
marcada
pelo toque do tambor

que insiste, retumbante
"foi culpa daquele beijo"
"foi culpa daquele beijo"
"foi culpa daquele beijo"
dado por um pierrô
errante
de gola grande e franzida
que sob efeito da bebida
largou-a sem mais amor

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

como não houvesse tempo





















Anoitece
e a vida acalma
como não
houvesse tempo

o vento tece a alma

Ruídos do dia
são vencidos pelas horas;
elas, nocauteadas
pela noite

pia o fim do açoite

Noite permanece,
faz-se eterna;
aquieta-se
ensimesmada

aquece-me o nada

Traduz a lua cheia
A não urgência do espaço
Como só ela sabe

luz que cabe ao aço

A noite não urge
O dia ruge
Ruge

O silêncio noturno
mesmo específico,
não desbota o céu

único e pacífico véu

Permite ouvir
da janela ao lado
um talvez casal
fazendo amor, talvez

fado carnal, nudez

Devaneios enluarados
Preenchem a lua cheia
da noite cheia de lua

fartura


[foto: Yusseff Abrahim]

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

[happybirthdaysampa]

Lembrei da Pompéia e com ela, da Alfonso Bovero, da Cotoxó, da Gastão Mesquita, da Aimberê... Lembrei da Paulista com a Augusta, do BH, do Charme, do Ibotirama e dos cabelos coloridos, dos inferninhos, da Loca, do boca a boca dos botecos vizinhos, de lá do Memorial da América Latina, do Sonda, do Parque da Água Branca, da lanchonete da MTV, das ladeiras, da Vila Madá, Mercearia São Pedro, da Heitor Penteado, da feira sob o sol, dos temperos e das frutas, dos legumes e dos queijos, das pracinhas, das bancas de revista, do metrô e suas escadarias, feiras de artesanado, Benedito Calixto, os velhos tempos do Empanadas, a Casa Amarela e os Caros Amigos, do Estadão, da Folha, da Editora Abril, telefonemas, entrevistas, corre-corre, fechamento, almoço na firma, almoço no quilinho, café com pão na chapa na padoca, gritaria do estádio do Palmeiras, do São Paulo, do Santos, do Corinthians, engarrafamento na ponte Eusébio Matoso, Shopping Eldorado, Airbus Service, metrô Tatuapé, aeroporto de Congonhas e de Guarulhos também, Brás, Adoniran Barbosa, esquina da Ipiranga com a São João, centrão, República, Viaduto do Chá, lembrei do Teatro Municipal, da OSESP, da Sala São Paulo, dos ambulantes, da 25 de Março, da Virada Cultural, da Catedral da Sé, da fé, dos sem fé, da Moca, das pizzas, das paçocas, do perfume do café, do caldo de cana com pastel, da Rodoanel, do diz-que-diz, de quem não diz, dos mendigos calados, dos meninos pedintes, dos artistas abandonados, da Fnac, da Cultura, do Viena, dos sambas, do samba rock, do Jorge Ben, do Wandi Doratiotto, da estação da Sé, da feira da Liberdade, dos japas, dos chinas, dos koreanos, dos sushis e sashimis, a Chopperia da Mamma e seu tapete vermelho, seus aquários e seus quadros bregas, do videokê, dos alternativos, dos chorinhos, dos chorões, dos cobradores de ônibus, da Cardeal Arco Verde, da Teodoro Sampaio, dos instrumentos musicais, dos inúmeros sofás e armários, Itaú Cultural, Sesc Pompéia, Sesc Pinheiros, do suco de laranja feito na hora, do Franz Café, do Conjunto Nacional, da Pinacoteca, da Estação da Luz, o Mercado Municipal, o sanduíche de mortadela, o pastel de bacalhau, os chopps, Hugo Giorgetti e Sábado, Cine Sesc, É Tudo Verdade, Espaço Unibanco, Café Piu Piu, Bexiga, comida italiana, Vai-Vai, Brigadeiro Luis Antônio deserta aos domingos, Ibirapuera, cães de todas as raças, garças e periquitos urbanos, sobrados rodeados de árvores, chuvarada, corredeiras, engarrafamentos sem fim, massagem no salão de cabeleireiro, amigos que vão e vem, outros que ficam pra sempre, "meu", "não zoa", "sem noção", "então"... Sampa gira, gira-se em Sampa, o tempo passa, a idade muda, mas ainda me estampa de saudade.