quarta-feira, 4 de março de 2009

Pessoa secreta

O cd do Caetano inteirinho era tudo o que Ana queria dizer ao seu amado, João. Era tudo o que Maria queria cantar ao seu amor, José. Era tudo o que Amélia imaginava declamar ao seu homem, Fábio. O fato é que Cristina ainda não sabe do Fernando. Fabrício ainda não sabe de Bárbara. Nem Bete, de Bia. Nem Ricardo, de Marcos. Casais que se amam ainda não se sabem.

"Estou sozinho, estou triste etc. Quem, pessoa secreta, vem... me chama... vem... etc. Pelas frestas do meu ninho, quem insiste em anunciar seu desejo. Quem tanto não vejo ainda? Pessoa secreta. Vem, te chamo. vem... etc".

Hoje, Ana observou a lua da janela, suspirante. João cortou o dedo descascando uma laranja. Maria adormeceu agarrada no travesseiro. José beijou uma amiga. Amélia foi à feira. Fábio leu Drummond. Cristina quase torceu o pé na rua. Fernando comprou um cd de tango. Bete assistiu ao último filme de Woody Allen. Bia viajou a trabalho para o interior. Ricardo pintou a parede da sala de laranja. Marcos voltou de uma aldeia xerente com genipapo na pele. Casais que se amam e não se sabem.

Sabem, sim, desse outro que penetra pelas frestas do seu ninho. Do arrepio de imaginar o sussurro tão esperado em seus ouvidos. Quais são as cores que são suas cores de predileção? Sabem, sim, desse que não vêem, mas insiste em anunciar seu desejo. Dessa pessoa secreta. Azul, laranja, amarelo, roxo, rosa, verde-limão. Almodóvar, Beth Carvalho, Denise Stoklos, Elis Regina, Ronaldinho. Salvador da Bahia. Belém do Pará. Belo Horizonte das Minas Gerais. Itália, França, Portugal, Alemanha. Desejos, odores, gestos, pensamentos, caminhares se confundem em um raio que vai de uma ponta a outra do mundo.

Um mundo de possibilidades. Sabe-se delas. E não se sabe também. Tantas que são, incontáveis nos múltiplos cálculos de proporção e probabilidade. Talvez a profecia de Drummond se faça, e Ana ame José, que ame Bia, que não ame ninguém. Talvez seus corações se abram e eles sintam o perfume da pessoa secreta quando seus caminhos se cruzarem. Talvez todos os casais se saibam. Etc.

Um comentário:

SRTA. LÓRI CAPITU disse...

Gostei, gostei, gostei!