Michele estava extasiante com seu novo emprego em uma revista de moda. Até então, só havia produzido pequenos desfiles no clube israelita perto de casa. Revista de grife! Roupas de grife! Sapatos de grife! Gente de grife! Um mundo fútil de grife! Assim que soube da visita que faria à Daslu, pôs seus saltos agulha e desfilou feliz pelos corredores imperiosos, sob olhares desconfiômetros dos seguranças engravatados, que já conheciam o andar lento e a cabeça erguida legítimos de uma perua socialite-lifestyle.
"Até os seguranças são chatos nesse lugar", disse o motorista da revista à Michele enquanto seguiam a marginal Pinheiros sob o sol escaldante que lançava o aroma podre do Pinheiros à beira da loja mais chique do país. Ou seria o contrário? A loja mais rica do país lançando dejetos compostos por ovas de peixe arrancados dos rios até então vivos.
O fato é que, no quinto passo dentro do corredor chique, sob os olhares pontiagudos dos seguranças playbas -- dizem que um é filho do chofer do gorvernador --, Michele sentiu a ponta do salto desequilibrar, até que seu pé virou. Estatelou-se no chão a pobre Michele. Exatamente quando entrava na passarela uma "madama" com colar feito de anéis cravejados de pérolas, saia e terno cor-de-rosa, óculos de oncinha e bolsa da louis vuitton.
Ela usava os cabelos exatamente como as top models nos desfiles. Erguidos a uma altura de praticamente uma palma da mão, com muito laquê. Tipo do penteado para desfile. E só.
A madame-frufru não só não ajudou Michele, não perguntou se Michele estava bem, não olhou para Michele, como quase passou por cima dela com seus saltos cor-de-rosa choque vinil com flor de estampa de oncinha.
E não só a madame-frufru-oncinha ignorou completamente a existência de Michele (que antecede a queda de Michele), como todas as atendentes da loja (a neta do governador, a sobrinha da socialite do recanto da dona maria, a filha da socialite da coleção das louças austríacas, a amiga da filha do prefeito...). Não seria fino agachar-se para ajudar a levantar uma classe média que não sabe andar sobre saltos.
A madame-frufru não gostou do olhar desconfiômetro de um dos seguranças. Pronunciou como uma reza seus dois primeiros nomes e quatro sobrenomes e dedicou-se a impor toda sua fantasiosa superioridade contando sobre o clube do grupo de chá da tarde mais bem conceituado nos últimos 50 anos na capital paulista. Trata-se de uma informação especialíssima dentro da Daslu, um conhecimento que deve fazer parte da regra de etiqueta de toooooooodos os funcionários dessa loja. Michele ouvia tudo enquanto se levantava entorpecida pela sensação de praticamente não existir, existindo.
O grupo de chá é referência para todos os grupos de chás beneficentes-caridosos-(d)eficientes da capital paulista. A nata da nata paulistana está no grupo de chá, mesmo não tendo café-com-leite. Só chá. E, de todas que ouviam sobre o clube do grupo de chá cinquentenário, nenhuma foi convidada. Muito menos Michele, o vento. E menos ainda os seguranças. E menos ainda o segurança-desconfiômetro. Talvez a dona da loja.
O fato é que Michele contou a todos da revista o "incidente". E achou aquilo tudo muito engraçado. Triste, né?
quinta-feira, 19 de março de 2009
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