quinta-feira, 16 de abril de 2009

reflexões no apê 82


Deve haver um motivo, uma única razão para tudo isso. Coisa do destino. Somos um rastro de luz que se transmuta em corpo humano. Não cessamos. A vida se revela como um palco de improvisos. E isso parece óbvio, de repente. O roteiro pré-formatado do nascer-crescer-estudar--casar-ter filhos-morrer se torna obsoleto. Sou uma filmagem tremida.

O gastroenterologista pergunta: quantas vezes ao dia? Descrevo a evolução do histórico intestinal, mas ele interrompe: quantas vezes? Quatro ou cinco, não tenho certeza. Minha diarréia não é objetiva. A vida não é objetiva -- e esse adjetivo está obsoleto para ela.

Sou filmagem tremida com borrões escuros e cores berrantes. Tenho medo do escuro. Sonho com cantoras que entoam sambas antigos vestindo peruca cor-de-rosa tipo bolo de noiva. E com o ex-namorado desde que eu soube que ele terá um filho. Também com filhotes de passarinho que pairam nas minhas plantas. Na vida real, sou luz irradiada. Reflito na lua, sinto o aroma perfumado das flores da esquina, cozinho o almoço atentamente. Procuro me compreender em um mundo que se diz objetivo.

Respiro a subjetividade da vida. Tudo são redundâncias. E discordâncias. A luz por hora me entorpece, faz com que eu me veja a caminho do bem maior. Por hora, enlouquece. Tenho medo do escuro. Sonho com o ex-namorado. Ele terá um filho. Entro em cena com as cantoras de samba antigo. Sou personagem secundário.

Tenho pensamentos violentos no ônibus urbano. Xingo a moça que não recolhe a bolsa no corredor apinhado de gente. Fico irritada com o homem encostado no apoio, impedindo que mais pessoas – inclusive, eu – se segurem ali. Fico descrente de um mundo que pára dentro do “conforto” de um carro. Sou o personagem secundário de uma vida frenética, farta de objetivos opacos.

Tem dias em que acordo tomada por um gozo. Sinto-me preenchida pela pureza de respirar e estar presente. Ser. Luz. Noutros, sou nada. Andarilha sem rumo, sem bússola, sem mapa e com as pernas cansadas. Nado contra a corrente da opacidade. Sinto-me em um grande rio que corre para o oeste. Mas quero ir para leste.

Tento me entender nos sonhos. Sonho para nutrir o brilho. Ouço verdades sem cor e as falas decoradas. Tudo parecia tão óbvio e agora deixa de fazer sentido. O apartamento será desmontado. Vou carregar na mochila
duas blusas e um par de chinelos. Meu coração será a bússola. Conflitos são necessários apenas para que os sonhos sejam mais que sonhos. Deve haver uma razão para tudo isso.

Um comentário:

SRTA. LÓRI CAPITU disse...

antes de sair, não deixe de acender a lâmpada! a sua!