quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Ao amor de um novo amigo

Reentrâncias. O silêncio de alguns segundos paralisaram nossos olhares. Um diante do outro. Foi possível perceber os cantos dos teus olhos se expremerem com a sutil ameaça de um sorriso -- mas medroso, acuado. Olhei o quanto pude -- ou o quanto minha timidez patética permitiu. Um segundo? Dois, talvez? A timidez era óbvia. E as interrogações? Parece que choviam sobre nossas cabeças, pulavam sobre o balcão do bar e saíam em grandes grupos porta afora, espalhando-se pelo centro da cidade.

Tínhamos que nos separar, mas não queríamos. Sabíamos disso. Também sabíamos que queríamos ficar juntos, mas não sabíamos exatamente assim. Apenas queríamos. E o querer, quando se intensifica, sempre carrega consigo a dúvida. Por isso, precisamos nos manter distraídos. Sempre. E foi isso que fizemos. O pão de leite estava quentinho. O café estava ótimo no copo de plástico. Parecia o melhor desjejum de nossas vidas. Seguimos mastigando e tomando café sem pressa. Para que pudéssemos permanecer ali infinitamente, saboreando cada mastigada, cada gole, cada palavra e cada troca de olhar.

Havia algo para descobrir? Pularíamos um nos braços do outro e faríamos juras de amor? Tentaríamos dizer algo apenas com um embate de olhos curiosos e cheios de interrogações? Tu farias algo ou esperavas que eu fizesse? O pão acabou. O café também. Saímos. Andamos até a esquina. Nos abraçamos em despedida. Ainda ouço o estalar dos teus beijos nas minhas bochechas.

2 comentários:

Anônimo disse...

A VERSÃO
Primeiro trocaram olhares desconhecidos. Fugidio. Fugaz. Tempo necessário para ver e ser visto. Lacônico. Preciso. Foi assim o olhar dela. Foi assim o olhar dele. Ela deveria até ter imaginado coisas sobre ele e ele dela. Mas o que pensaram na hora é segredo deles. É livre o pensamento. Poderiam pensar o que quisessem deles e dos outros. Que delícia, hein? Pois foi assim. Olharam-se e deram-se chances de olharem mais. Um formigamento de descobrir. Um beliscar de revelar-se. Muitas sutilezas. Muitas delicadezas. Muitas risadas. Muito pouco tempo para mostrar o que queriam ou tempo voraz para serem compreendidos. Foi tudo isso a partir do relâmpago do primeiro olhar.

Se os protagonistas desta história pudessem contar o que aconteceu com eles, com certeza não seria assim. Mas não custa imaginar. Divagar sobre os desejos desconhecidos é bem mais interessante. Por isso ele imaginou que era poderia ser uma boa companhia para suas noites. Mas ela ocupou todos os seus dias. Ela pensou que ele seria uma agradável diversão, mas ele a divertiu de outra forma. Mas o que queria ele? O que ela sonhava? Os dois tentaram entender-se. Compreender ambos. E os poucos dias que passaram juntos foi assim, com uma inegável sensação de descoberta no ar que respiravam.

SRTA. LÓRI CAPITU disse...

Distraídos com outras brisas e com o sabor de cafés de outros tempos, com outros temperos e açúcares, ele e ela se deixaram escorregar num encontro macio e acolhedor. Salvador reluzia, exalava condimentos e cores, muita música, muita percussão, as ondas estalavam nas praias todos e nos corpos todos. Para que pressa, então? Expectativas, cubos de gelos, meias ou luvas?

Era a intersecção de duas vidas inteiras, vividas de verdade, na composição de um poema fluido na primeira pessoa do plural. Nós. E sorrisos, e partilhas, e histórias, e olhares, e suspiros. Suspiros?

Não era nada de mais, ainda assim era tudo. E era bom, continuava macio e acolhedor, era bonito também. Tinha jeito de pôr-do-sol com céu rosado e brilhante, à beira do mar. Porque não tinha nada excepcional, exuberante ou com show pirotécnico; e, por isso mesmo, pela singeleza do escorregão suave um na vida do outro, devagarzinho, como se fosse um balé, aqueles encontros tornavam-se tão especiais.

O dia ganhava uma hora a mais, além das obrigações todas, do comer e dormir e escovar os dentes e trabalhar e passear e limpar as janelas, que era a hora deles.
Deles.

Minutos, dias, semanas. Há sempre uma despedida – mas a largura dela não nos pertence, ainda mais a mim, que assisti à história de longe, de ouvidinho e coração em compasso melódico, suspirando eu também por um escorregão aquático e lunar na vida de um alguenzito meio torto, meio rude, mas tão alguém.

A despedida daqueles dois foi menos uma ruptura e muito mais reticências ou travessão. Porque era preciso iniciar um novo parágrafo. Ou um novo verso, talvez. Ou ainda, uma história longa e linda. Singular, plural, quem sabe?

Suspiros.
Suspiros e saudades, no plural, porque saíam com aquela mesma distração de antes e olhares ainda recém-nascidos para a descoberta.
Eles não sabiam de nada, embora sentissem tudo. Eu, daqui do meu cantinho, tampouco sei. De mim, do alguém e deles. Mas acho tudo muito bonito, porque me soa vida, porque me soa amor. Porque me soa humano e verdadeiro.
Sem porquês.