segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

fui de bike --<>]--

Foram 36 quilômetros. Primeira pedalada e 36 quilômetros. O convite veio de repente. Estava convencida de que a ideia me atraía, mas hesitei em aceitar quando disseram: "Vamos amanhã de manhã!" Eu não tinha bicicleta. "Mas eu empresto", disse uma amiga atenta à conversa-convite. Decidi não pensar muito. Aceitei. Calça justa e camiseta, garrafa d'água, um par de tênis confortável, maços de papel higiênico, hidratante labial, dinheiro, bolsa para carregar tudo. Separei os itens necessários e me pus em pé às 7h20 para sair às 8 horas. Levei tudo isso mais a vontade de conhecer, sobre duas rodas, a cidade onde cresci.

Logo no começo, fui surpreendida pelo cenário bucólico que margeia Joinville e enfeita, pasme, a zona industrial da cidade. As vaquinhas pastando ficavam lá no fundo. Antes delas, via os buquês naturais de flores azuis que tanto lembram minha infância. Já tinha cheirinho de mato no ar, mesmo com os carros, caminhões e ônibus da avenida movimentada por onde pedalávamos. "Onde estão as ruas alternativas?", perguntei ao meu amigo, com o coração batendo um pouco mais forte a cada ventania feita de ônibus passando. "Pois é, passamos da entrada. Mas pegamos elas na volta", respondeu. Paciência, fé e curtição. Precisei disso para seguir feliz e continuar vendo poesia ao meu redor. Valeu a pena ter pedalado um pouco mais forte nas subidas. Teve uma que quase arrancou meu fôlego. Depois dela, vi um arrozal. Verdinho, verdinho. Parávamos um pouco. Éramos quatro, mas apenas eu e meu amigo fotografávamos. Ele, com uma baita câmera. Eu, com o celular.

Finalmente, chegamos em Pirabeiraba. Paramos em uma padaria para descansar um pouco. Os meninos tomaram água de côco em caixinha. Eu, suco de uva. Meu amigo pediu um pão doce com farofa por cima. Roubei um pedacinho. Em Joinville, cidade de colonização alemã, chamamos esse pão de schnecke (diz-se "xinéque"). Adorava comer isso quando era criança. "Mãe, traz schnecke", pedia sempre. Também adorava as cucas de banana, morango, ameixa, sempre com a farofa doce por cima, como a do schnecke. Engraçado, embora adore experimentar a culinária de outras cidades, nunca parei para comer o marreco recheado, prato típico joinvilense. Pois é, pedalar por qualquer lugar sempre aguça os olhos e todos os sentidos de um jeito diferente. Lembrei da sensação de quando era criança e pedalava pela cidade. Apaixonada por um menino da escola, ia com minhas amigas num bairro lá longe só para passar em frente à casa dele. Chegava, dava uma olhadinha do lado de fora do portão, suspirava e ia embora, platonicamente.


Para voltar, seguimos pelos caminhos alternativos de Pirabeiraba. Minha bunda doía, meus punhos também. O sol começava a esquentar. Eram quase 11 horas. Beirávamos o rio Cubatão e parávamos um pouco para ver suas corredeiras. Tinha casinha na beira do rio, com uma escadinha que descia o morro até as margens do Cubatão e permitia à senhorinha lavar os pés na água cristalina. As árvores e matas dos arredores faziam o vento bater fresco na rua de chão batido que, em pouco tempo, virou asfalto lisinho. Os meninos pedalavam e abriam os braços, como eu fazia quando era criança.

Deslizávamos no asfalto, os quatro. Íamos trocando de companhia. Nós dois, eu e meu amigo. Depois eu com um dos amigos dele e ele com outro. Depois trocávamos de amigo e voltávamos a pedalar juntos. Bate-papo, observações, risadas, brincadeiras. "Faltam 40 quilômetros para chegarmos em Joinville por esse caminho", soltavam umas assim. E davam risada, como meninos de 10 anos fazendo malandragem. Paramos para congelar num clique o imóvel Morro da Tromba. que ficava atrás de um vasto campo, que ficava atrás de uma cerca de arame farpado, que ficava atrás de um matinho com flores amarelas, daquelas parecidas com margaridinhas.

Meu bumbum doía cada vez mais. Era insuportável encostá-lo no banco a cada vez que parava e voltava a pedalar. Erguia o corpo para aliviar a bunda, mas sentia dor nos pulsos. Meu amigo parou para olharmos uma construção antiga, um casarão parecido com as masserias italianas (as grandes casas com lareiras construídas nas campanhas do sul da Itália), feito todo de pedra, imenso por fora e por dentro. Foi usina de açúcar. Agora vai ser o salão de festas de uma chácara. O seu "Virson" (foi assim que ele pronunciou o próprio nome) explicou que embaixo daquela tinta amarela havia pedras nuas e escuras, como a que as que rodeiam as ex-janelas e as portas.

Ele ficou tão feliz com nossa visita. Nos levou para dentro do casarão, explicou sobre as paredes, as toras originais destacadas no meio do cimento branco, o telhado que, antes desse, era de zinco. Mas e o original? De palha? Usina com teto de palha é estranho. A casa tem, provavelmente, 130 anos. Eu e os meninos saímos confabulando sobre como seria esse telhado. Voltei a sentir a dor na parte mais interna das nádegas e também nos punhos. Dolorida, mas feliz.

Quase em Joinville (já não acreditava!), passamos pela entrada de uma casa todinha ladeada por ficus enormes. Meu amigo, fotógrafo, havia registrado imagens desse cenário quando as árvores ainda eram bebês. Imaginei a emoção dele! Ficamos por ali um pouco. Encostei minha bike companheira em um dos ficus. Sua sombra era suave. Ao lado desse portal natural, ficavam algumas ovelhas. Uma delas, filhote, gritava escandalosa olhando para a mãe, que me encarava do outro lado da cerca enquanto eu a fotografava.

Fiquei observando as ovelhas enquanto os meninos brincavam de tirar fotos na rua, lá em frente. Um cachorrinho salsicha se aproximava para me dar as boas-vindas. A senhora da casa da rua dos ficus me observava pela janela. Dei meia volta e retornei à entrada do portal. Voltamos a pedalar. Última parada, em Joinville: caldo de cana bem gelado! Servido em copão de vidro, era feito por uma senhora na garagem de casa, que transformaram em balcão de bar, virado para a calçada. Bem interessante. Dava para ver o sofazinho da sala no vão da porta aberta, virada para a rua.
Minha bunda e meus pulsos (principalmente a bunda) já pediam socorro! Aguentei mais um pouco, feliz por finalmente reconhecer as ruas de Joinville. Estava perto do campus universitário da Univille. Ainda estava relativamente longe de casa, faltavam uns 15 minutos de pedalada (considerando o vagaroso retorno). Eu e outro companheiro de viagem seguimos pela ciclovia da avenida Beira Rio, que passava ao lado do meu prédio. Cheguei em casa enquanto minha mãe terminava de preparar um almoço especial. Era aniversário dela. Tomei um banho fresco, comi e caí estatelada na cama. Meu corpo amorteceu, mas vibrou de felicidade. Sentiu-se livre, forte, saudável, sem fronteiras. Quero fazer isso mais vezes!

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