quinta-feira, 30 de julho de 2009

Par

Uma das coisas que a envaidecia em sua profissão era poder fazer vezenquando uma viagem aqui, outra ali. Nenhum lugar especial, mas só pelo fato de sair um pouco de sua cidade, que nem era tão sua assim (era mais fácil ela ser da cidade que a cidade ser dela), sentia-se recompensada. Foi sem grandes expectativas. Esperava apenas por ver paisagens não usuais. Lugares que não freqüentava nem freqüentaria, pelos quais apenas passaria. E lembraria. E sabia que entre avistar uma ou outra montanha em um belo horizonte, teria trabalho a fazer. Trabalho esse que a levou a tal lugar. A vontade do novo era tanta que até o quarto de hotel a animava. O banheiro amplo, com box espaçoso e aqueles tubinhos imbecis de xampu e condicionador, tão gostosos de abrir. Deliciou-se até com o banho sob a ducha forte, ensaboando-se com aquele sabonetinho que todo mundo carrega na bolsa quando deixa o hotel, mas ninguém usa. A TV a cabo, fazia tempo que ela não tinha. Na primeira noite, cansada da viagem, porém concentradíssima, assistiu a um programa sobre a história da varíola. Assustador.

Acordou cedo porque tinha uma entrevista. Passou o dia todo conversando com essa figura, um professor. Havia algo nele que a interessava. Nas falas mais corriqueiras, falava bonito. Tinha traquejo para lidar com os alunos um pouco mais jovens que ele. Aproximava-se dela com cuidado. E interesse. Mas não era nada explícito, tampouco superficial. Era o suficiente para fazê-la sentir que não havia apenas paisagens e montanhas a ser lembradas depois da viagem. Encerrado o dia de entrevista, diziam-se adeus. Iriam se encontrar no dia seguinte para conversar um pouco mais sobre projetos, escritos e outros materiais que ele havia produzido. Até que ela perguntou o que teria para fazer na cidade. Será que talvez poderíamos... Claro! Ligue-me e marcamos algo, ele disse.

Caminharam pelas ruas noturnas. Primeiro, levou-a ao café de um cinema. Era um lugar que lhe agradava. Ali, disse ser casado com um homem. Ela não se surpreendeu. Ao contrário, sentiu-se ainda mais atraída por ele. Simpático esse rapaz, pensou. Simpático e interessante. Inteligente, sensível. E tão, tão agradável. Assim seguiu a noite. Falaram de si, dos outros, dos gostos, dos sonhos sob a meia luz de um bar simpático, moderninho. Mal sabia ela que tudo seria tão marcante a ponto de um dia esquecer como foi embora. Como se despediram, o que teriam dito. Porque era como se tivessem feito um pacto. Despedidas não são seu forte. A nostalgia anda sempre com ela. Mas essa seria diferente. Seria a saudade do encontrar-se de duas pessoas que se amaram e passaram a querer-se. Trocaram então e-mails, mensagens, poemas, carinhos de palavras. Confissões, desejos, admirações. Já não fazia mais sentido o modo como haviam se conhecido. Eram amigos de longa data, de fé, camaradas. Eram dois com suas histórias que já não se viam mais sem a história do outro. E assim, tornaram-se parte de si, do outro. Somaram-se.

A ti.

6 comentários:

retrolectro disse...

somatório constante também se faz com palavras. na ausência delas, só a mera lembrança porque qualquer palavra destruiria tuas palavras tão belas.

Anônimo disse...

que lindo esse texto Didoné, quanto sentimento misturado, bem o que as episódicas vezes sentimos...bjos, Ana

crismarangon disse...

dé, que fofo! o homenageado já leu? acho que ele vai amar. beijoca, cris

para eu parar de me doer disse...

Bonito ver como a vida lapida irmãos, consolida atrações em afinidades. Essenciais. Vitais. Duradouras. Do olhar de desejo (pelo outro) ao olhar de fruição (do outro e de seu universo particularíssimo): a amizade. Que alívio poder-se desejar o que se tem! E amar a quem, verdadeiramente, se conhece pela bravura se dar a conhecer!

- Roberta Mendes

Unknown disse...

Quanta delicadeza, quanto carinho, quanto querer... se não é a amizade envolvendo as essências, marcando os encontros, crivando as marcas de amores possíveis. Lindo!

Elis Barbosa

Alguém de SJBV disse...

Adorei o "vezenquando"...
Beijo!