sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Macunaímas


A cada mal estar, sua mãe lhe receitava vinagre de maçã. Dor de cabeça: “Massageia com vinagre de maçã”. Tosse: “Faz gargarejo com vinagre de maçã”. Nariz entupido: “Põe vinagre de maçã num copo e cheira, cheira, cheira”. Passada a temporada do vinagre, vinha a do anti-séptico Povidine. Cortou o dedo, é Povidine. Inflamou a acne, Povidine nela. Arranhou o braço, pega o Povidine! Até que outra fonte de cura fosse descoberta.

Já seu irmão, era um fanático por atividades de lazer. Comprou uma bicicleta e passou a andar todos os dias pelo bairro, depois para o outro lado da cidade, depois para a cidade vizinha e, antes que planejasse atravessar o Estado, conheceu o Balance Board. Passou então a organizar encontros com amigos em todos os fins de semana para virar a noite jogando bambolê virtual. Até contratar internet de 10 mega, quando sua paixão era mesmo passar tardes inteiras baixando filmes.

Desde moço, seu pai recortava notícias das folhas de jornal. Aos 20 anos de idade, eram poemas publicados semanalmente. Aos 30, os principais fatos políticos do mês. Aos 40, arquivos de artigos e reportagens sobre direito civil e tributário. Aos 50, álbum de textos sobre índices de criminalidade no município. Aos 60, caixas e caixas de classificados, cartas do leitor e notas de falecimento.

Ela, por sua vez, apaixonava-se perdidamente. Sempre. E sempre era o grande amor de sua a vida. “Dessa vez é ele, eu sinto!”, dizia. Um era recém-saído do ginásio. Tocava violão maravilhosamente. Descobriu que era noivo e deu-lhe um fora. Outro era o melhor capoeirista da turma. Namorava todas as amigas – nunca seria fiel. Mais madura, conheceu um estudante de Letras-Francês, totalmente dominado pela ex-mulher. Impossível. O último foi um ex-estudante de Economia. Para justificar suas gafes, vivia usando jargões como “estou em déficit com você”, “precisamos recapitalizar a relação”, “você precisa investir em mim”.

Cada decepção era vista como um grave defeito. Algo imperdoável. Sempre. E, para ela, seu grande amor nunca lhe daria desgosto. O que não percebia é que, antes mesmo de começar uma relação, apaixonava-se justamente pelo defeito que poderia apontar em seu amante.

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