quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

diante da tela

uma amiga pula carnaval no recife, mas diz não se sentir entre as serpentinas enquanto elas lhe acariciam o corpo. outro amigo está em são paulo, acordado 32 horas por dia, sem noção do seu próprio cansaço. outra amiga está empregada e bem casada, mas insiste em filosofar sobre a dor do intestino inflamado. outra amiga está bem. vai ao trabalho e volta para casa todos os dias. vê o marido nos fins de semana. e gosta de fazer compras. outro amigo tinha uma proposta para trabalhar no exterior. parece que resolveu ficar. outro amigo está tirando dois meses de férias entre natal e brasília, ansioso com os rumos que a vida deve tomar. outra amiga está grávida em bruxelas do marido que conheceu em madagascar e trabalha muito para não perder a vaga no mercado cão. estou parada todos os dias, diante da tela reluzente do meu pc que nem é meu. desse quadrado brilhoso vem todas as mensagens. o carnaval não sentido, as noites em claro, o intestino dolorido, a decisão a tomar, as férias no fim, a gravidez. todos os dias, sento-me diante do pc. espero que algo aconteça. penso em um texto novo para escrever, mas me sinto sem ter o que contar. leio o não-sentir, o sentir dor, leio a viagem, o desamor e o amor. a felicidade, a novidade, o impasse. leio tudo e penso, todos os dias, se me sinto feliz ou mais inquieta. e se a inquietude é meu estado de felicidade. porque no carnaval, nas férias, na notícia da gravidez, eu estava diante do pc. diante da tela branca brilhosa, meu poro de contato com o mundo. essa luz branca refletida nos meus poros, na minha pele ainda mais embranquecida. eu, alva, nem estrela, nem dalva, pego-me pensando no abraço que daria com a notícia da gravidez, nas serpentinas nas quais me enrolaria, nas noites em claro que passaria, num bar. em transe no transe dos meus, diante da tela branca refletida. sobrevivo, respiro, como e bebo. digito, digito como quem cavoca a terra em busca das pepitas de ouro. traço na tela branca brilhante a rota da mina. resguardo-me entre a tela e o movimento da vida. reflexo de um e de outro. repelida pela tela, cutucada pela vida. as serpentinas caíram. a chuva vem caindo. eu, diante da tela branca luminosa, cavoco, cavoco. de vez em quando passeio com meu cachorro, que nem é meu.

4 comentários:

Non je ne regrette rien: Ediney Santana disse...

"a felicidade, a novidade, o impasse. leio tudo e penso, todos os dias, se me sinto feliz ou mais inquieta. e se estar inquieta é meu estado de felicidade."
essa poesias em prosa que vc escreveu é melhor que qualquer carnaval...ao menos para mim que só faço festa quando meu corpo está em outro

tia ionca @---;--- disse...

Adorei seu Blog !!! tia ionca

Helena disse...

Passo muito rápido, apenas para louvar a sua sensibilidade e a sua inteligência. Parece que, no meio de 30 mulheres, fomos as únicas a achar que o Felipe Voigt ainda tem muito, mas muito que aprender acerca do sexo oposto. Lamento que aquele homem agora possa convencer-se de que é um profundo conhecedor da alma feminina. Enfim, sejamos inteligentemente mulheres!
Um abraço apertado.

Márcia disse...

Dédis, vc cada dia mais genial! rolou até uma lagriminha (dos hormônios...). se me permite uma opiniao, acho que a inquietude nao é exatamente teu estado de felicidade, mas é sim um elemento essencial dele e de vc mesma. e isso nao é ruim! saudade imensa, amiga! abraço apertado virtual.