domingo, 26 de dezembro de 2010

Lado B

Eram apenas duas pessoas seguindo seu caminho particular. Até que um dia trilharam rumo ao Pelô. Daí que nada. Cruzaram-se, entreolharam-se, talvez, como mais um na multidão, mas não passaram dos olhos, não percorreram as narinas nem muito menos a pele. Ele acompanhava com uma câmera um desfile ao redor de uma praça enquanto ela procurava entender quem fazia parte da produção do tal evento. Percebeu-o clicando. Ok, era um dos fotógrafos. Depois, nada. Continuaram seus rumos. Pode ser que ela tenha ido beber cerveja com os amigos naquela noite. Ele, talvez tenha colocado um disco de Gal na vitrola.

Houve descaminhos entre ambos, mas não imaginavam que por tão pouco tempo. Se não haviam se conduzido ao mesmo ponto naquele fatídico encontro-desencontro, haveriam de se conduzir no dia, ou melhor, na noite seguinte. Era uma festa de encerramento de sei lá o quê - não vem ao caso dizer. Foram apresentados por um amigo em comum. Conversa vai, conversa vem, e os olhos eram vidrados - de quem se conhecia mas não. Olhos vidrados. Até que estavam mais do que abraçados, colados. O mundo girava e girava ao redor deles, todo deles. Talvez efeito da cerveja, talvez a somatória dela com os olhos vidrados e também o aroma, a pele, os sinais todos do corpo que a gente reconhece sem saber que.

Reencontraram-se. Amaram-se. Amor? Bem, quem explica. Foram dois (ou três?) dias. Ouviram discos, os antigos long plays, na casa dele. Admiraram o pôr-do-sol na Baía de Todos os Santos. Comeram o macarrão dele... Despediram-se com mil ideias de reencontro. Mas seus caminhos mais uma vez se difundiram, como no dia da praça no Pelô. Encontro-desencontro, ex-encontro. O disco girando na vitrola mais uma vez virou memória - nem bem havia sido revivido com o frescor dos velhos tempos. Se é que velho pode ter frescor. Ela pensou um tanto sobre o que a faria sentir falta do que nem bem entendia. Ele tinha muitos LPs para ouvir quando lhe aprouvesse - talvez esses tenham sido os melhores dias.

Foi que se encontraram dias depois. A agulha do toca-discos parecia gasta. Mas ainda havia uma faixa - um aroma e um toque - que os conduzia ao mesmo ponto. Embebedaram-se não contentes com a embriaguez que lhes era natural - bastava que se aproximassem. O disco já estava virado. O lado A é sempre o mais empolgante. Mas ficou no ar a curiosidade pelo B, e também pelo que poderia haver naquela ranhura que fazia pular a agulha. Talvez na sutil falha da bolacha preta estivesse aquilo que ela tanto quis entender, e o que parecia confundi-lo. O fato era que não havia espaço entre o risco e as canções para que tal entendimento se materializasse.

Acabou-se o lado B. Gal cantou as últimas melodias e deixou no ar suas vogais compridas misturadas à brisa vinda do mar logo em frente. Talvez nessa corrente tenha viajado também um tanto do hipnotismo que uniu ambos durante aquele tempo, intensamente curto.

Um comentário:

Musa Louca disse...

ah, mas eu ainda acredito nessa mesma vitrola. nesse mesmo vinil. em todas essas canções. isso tudo só está esperando você voltar. pra ficar. :)